julho 16, 2014

Histórias de um Volkswagen metido a New Beatle

Esse post se perdeu quando eu escondi o Hell'z Club (por vergonha do que estava escrito lá). Agora que estou mais velho, tenho menos vergonha das bobagens que fiz e dos maus escritos que digitei. Esse texto é de 2000 (ou antes eu acho), era um gurizinho. Enjoy!

Histórias de um Volkswagen metido a New Beatle

Tenho um amigo desses que você nunca se lembra do nome a não ser do apelido pelo qual até mesmo seus familiares o chamam, "Guri" é o nome dele, alias, o apelido. Mas pra mim ele se chamava Guri mesmo, Guri da Silva, ou melhor, Guri Baracy, irmão do Rafael Baracy, gaúcho infamemente conhecido como "Cacetinho", nos pagos de Florianópolis, graças a um pedido mal formulado em uma padaria barriga verde.

Então, o Guri tinha um autêntico Fucão Volkswagen, de uma cor que eu não sei precisar direito, mas variava entre o verde abacate e o branco sujo, ou seja, cor de burro quando foge. Isso sem contar o "chão" do carro que em algumas partes, devido a ferrugem cultivada em estágio avançado, dava pra ver o asfalto abaixo de nós.

Este fucão passou por diversas aventuras, e começou a ser conhecido como Fucão da Wyrm depois de episódios estranhos, pra não dizer surreais, como 7 pessoas no banco de trás e um gordão, de 2 metros e pra lá de 100kg, no banco da frente. Até pra Florianópolis este fucão já foi.

Mas a aventura mais fantástica dele será contada como segue nesta lenda (assim contada pelo menestrel Sérgio Henrique Schüler, filho de Sérgio Schüler, filho de Eitel Frederico Schüler, aquele que tem vários filhos espalhados pelo mundo):

Um dia decidimos ir a Pelotas jogar rpg, era um projeto chamado Brasil by Night, onde várias cidades do Brasil (e posteriormente do mundo no One World by Night) interagiam entre sí. Era divertido, conhecíamos pessoas, viajavamos, tiravamos casquinhas das melhores mulheres e passavamos MUITO trabalho. Em Pelotas (a cidade que tem uma placa dizendo "Venha comer nóz") tinha um povo muito legal (e umas mulheres delíciosas), então eu, o Guri, o Rafa e o Mateus (amigos e praticamente irmãos) decidimos pegar o fucão e nos aventurar até o interior do Estado pra jogar o maldito rpg. Que conste aqui que já tinhamos ido a Pelotas de ônibus, porém, teoricamente, gastariamos menos indo de carro, nós 4 e a ex-noiva do Guri, que foi sabe-se lá pra que, já que ela não joga e nem nunca jogou.

Em um sábado ensolarado, eu fui o último a ser pego em casa, sentei no banco de trás junto com o Mateus e o Rafa, enquanto na frente iam o Guri e a sua ex-noiva, na época apelidada, como não poderia deixar de ser, Guria. Abastecemos o fucão até encher o tanque, o que significava mais gasolina do que o carro jamais tinha vista em toda sua longa vida. Calibramos os pneus com libras praticamente aleatórios que o "expert" Mateus sugeria como sendo corretas, do ponto de vista Klingon talvez.

Saimos em busca da estrada, cantando, pois rádio o fucão não tinha. Emoções fortes nos aguardavam. Já na saída de Porto Alegre a primeira surpresa: um cheiro esquisito dominava todo o carro. Paramos e para nosso desespero o carro estava superaquecendo e queimando óleo a dar com pau. O Mateus e o Rafa (em um calderão infernal onde o asfalto era a panela e nós o recheio) sairam andando atrás de um posto de gasolina pra comprar óleo. Imbecis, tinha um roller a disposição dentro do carro, sabe-se por que, e só perceberam isso depois de torrarem no sol e voltarem com o óleo para o motor.

Enquanto o óleo não vinha, eu amaldiçoava a idéia de ir de fuca e não de ônibus, o Guri amaldiçoava o carro e a Guria amaldiçoava ter entrado nesta furada por ciúmes de deixar o noivo ir sozinho e Deus amaldiçoava nosso caminho.

Quase 30 minutos de sol na moleira e o óleo chega. Improvisamos um funíl com jornal e o Rafa teve a estúpida idéia de jogar o óleo a uns 5 metros de distancia do funíl, o que provocou, por causa do vento, um derramamento de óleo em todas as partes do carro, menos onde se põe o óleo. Então tínhamos um funíl limpo, uma garrafa com menos óleo, um motor de fuca cheio de óleo e um Mateus todo lambusado de óleo (ele segurava o funíl).

Arriscamos ligar o carro, o óleo derramado em cima do motor começou a torrar e o cheiro era insuportável, mas seguimos viagem, aventureiros muito corajosos nós somos. Nem pensamos em voltar para nossas casas com as orelhas baixas. Um engano terrível, descobrimos depois.

Andavamos alguns quilômetros e tinhamos que parar por causa do superaquecimento do carro. E quando eu digo alguns, não digo 10 ou 20, digo 2 ou 3 quilômetros. Depois da 10a parada, por aí, há uns 20km de Porto Alegre, adentramos uma cidadezinha, talvez Santa Rita, talvez não, e procuramos um mecânico. Notei que alguns patos sobrevoavam o carro, como se o fuca fizesse parte do bando que voava para o sul, mas naquele instante não entendi a mensagem. Somente posteriormente saquei o sarcasmo da piada.

Batemos na porta do mecânico, um gurizão de Havaiannas e calção, de no máximo 25 anos, nos atendeu. Ele era o mecânico. Era tudo que tínhamos, então descrevemos o problema a ele. Inclusive nossa pretenção de chegar a Pelotas, que foi imediatamente recebida com espanto pelo rapaz. Nos aconselhou a voltar pra Porto Alegre, pois o carro não estava em boas condições, mesmo com o conserto que ele faria. Ligou o carro e observou por 2.5 segundos o funcionamento do motor e exclamou:

- Vou te dar o veredito: é a bobina, fuca é assim, eu tinha um, pode contar que é a bobina. Quando estraga é bobina.

Trocamos alguns olhares de desconfiança entre a gente, algum de nós perguntou se ele tinha a tal bobina e outros ponderavam o que ele queria dizer com "veredito", seria ele um juíz? Ele disse que não tinha a bobina, mas ia checar na ferragem, se estivesse aberta. Sabe como é, sábado em cidade de 1a (engata a 2a e já saiu da cidade) é fogo.

Então o cara pegou uma moto, arrancou, dobrou na esquina e 2 segundos depois ele já estava retornando, e quando falo 2 segundos não estou exagerando, pra mim parecia que ele apenas tinha dobrado a esquina e voltado. Amaldiçoamos nossa sorte, com certeza estava fechada a ferragem.

O cara pára a moto e declara:

- Vocês estão com sorte.
A gente não entende e um silêncio perturbador paira no ar, apenas alguns patos e marrecos eram ouvidos, sabe-se lá de onde vinham, mas estavam lá.
- Tava aberto. Tem a bobina Bosch, que é de R$20,00, que vai te durar a vida inteira e a de R$15,00, que vai te dar problema de novo um dia desses. Qual vocês querem? – complementou o mecânico espertalhão.
- A de quinze, claro. - Praticamente em coro respondemos depois de mais uma troca de olhares, considerando nossas parcas economias e a probabilidade remota do fucão durar mais de 5 anos. Ou seja, qualquer remendo servia, só queríamos chegar a Pelotas.
O cara ficou baratinado e começou a gaguejar:
- Não, não, só tem a de Bosch, de vinte reais.
Estavamos claramente sendo enganados. Enquanto eu sorria, de raiva, o Mateus já se preparava pra discutir e o Guri sentia pena do bolso. O Rafa provavelmente estava pensando em alguma forma de assassinar o rapaz. O importante é que em menos de 10 minutos de conversação o cara já tinha mentido pra gente. Isso não estava bem.
Uns 5 minutos tentamos argumentar, mas ele estava com a situação sob seu controle. É foda. Aceitamos, ele pegou a grana e fez a mesma coisa, foi até a esquina e 4 segundos depois voltou. Muito improvável que ele tenha comprado neste meio tempo, só se for uma espécie de drive thru, mas na verdade eu cria que ele gritava de um lado "bobina Bosch" aí o cara arremessava a bobina, enquanto ele dava a volta na rua, e ele atira a grana pro cara da loja. Só assim seria tão rápido. Raça maldita essa, mecânicos honestos vão pro céu, direto.

Então ele estaciona sua motoneta e diz:
- Que sorte, consegui um desconto pra vocês. Saiu por R$18,00.
Nos olhamos e seguramos o riso (ou o choro). Será que ele realmente acreditava que nós estávamos engolindo aquilo?

Em cerca de 2 minutos ele trocou a bobina velha pela incrível e possante bobina Bosch. O carro sem dúvida, pela propaganda do mecânico, ganharia uns 5 mil de valor de mercado só por conter a super ultra max hyper mega power bobina Bosch.

Segundo o cara, estava pronto, ligamos o carro e agradecemos:
- Obrigado, cara.
- Obrigado não, eu vivo disso. – o mecânico retruca.
- Hum? – Percebemos que o golpe ainda não tinha acabado, mas nos fizemos de desentendidos.
- É dez pilas.
Chíamos, mas não adiantava mais, já tinhamos criado penas e bicos de pato. No fim, pagamos o maldito mecânico e seu veredito from hell.

Seguimos viagem, desta vez, "voando" entre surreais 40km/h e 60km/h e parando "apenas" de 1h em 1h, um verdadeiro progresso.


Já de noite, aproximadamente 1h de Pelotas o ponteiro da gasolina cai drasticamente. Eu havia advertido que seria necessário abastecer, mas o Guri preferiu passar o posto e abastecer no próximo. Detalhe é que não havia próximo. "Seguramos" com os olhos o maldito ponteiro e finalmente chegamos (com várias horas de atraso) em Pelotas. Todos os sensatos que utilizaram o ônibus já estavam lá. Só faltava a gente mesmo.

Jogamos toda a noite. Uma mistura de teatro e jogo. No fim era um grande pretexto pra conhecer pessoas e dar beijos em pescoços desavisados. Perto de amanhecer, fizeram uma ULTRA propaganda de um café que eles costumavam todos ir depois dos jogos. Aceitamos a idéia, cafés são legais e, no caso de Pelotas, deveria ser algo de estilo antigo, como toda a cidade.

Andamos bastante a pé, e chegamos no dito café. Decepção total, era uma lanchonete que servia café expresso. Só isso. E eu estava sentindo uma estranha dor nos olhos, provavelmente por causa das lentes de contato estarem há muito tempo nos meus olhos.

Dormimos na casa do Maurício Tremere, um gordão de uns 2 metros, mais de 100kg e todo esse espaço recheado de simpatia. A Guria, que não jogava, ficou lá, trancada com milhares de mosquitos maiores que um olho e um velho, o vô do Maurício, que acorda no meio da noite para cuspir, pelo menos é o que parece, talvez fosse algum ritual voodoo ou algo do gênero. Jamais saberemos. Velhotes são misteriosos.

No outro dia nos preparamos pra voltar. Na saída da cidade abastecemos o fucão, compramos uns refrifgerantes e tiramos as últimas fotos. Finalmente voltando para casa. Depois de uns 25 minutos de estrada percebemos algo errado. E desta vez não era com o carro, mas com o motorista. Sim, estávamos indo pro lado errado, rumo a Rio Grande, volta tudo, se perde um pouquinho em Pelotas e voltamos a nosso rumo normal. Meus olhos ardiam cada vez mais, mesmo eu estando sem lentes.

O carro continuava com problemas o que nos fazia rir de toda forma sobre "o veredito" da bobina. Sendo que a solução de todos os problemas do fucão estava na pequena bobina (Bosch, que fique bem claro). Quebrou o vidro? Troca a bobina! Furou o pneu? Bobina, claro! Acabou a gasolina? Nada melhor que uma bobina nova pra resolver todos os problemas.

Em uma das inevitáveis paradas do carro, todos descemos do carro, olhamos um pra cara do outro e não seguramos: começamos a rir desesperadamente, gargalhadas eram ouvidas no asfalto, apontavamos um para o outro e não dava pra segurar a piada. Eramos patos de carteirinha, mas patos audaciosos, talvez até mesmo poderiamos ser chamados "os patos que estiveram onde nenhum outro jamais esteve". Bem, depois de cerca de 15 minutos de risadas, voltamos ao carro e seguimos viagem.

Mais ou menos no meio do caminho, mais pra mais que pra menos, decidimos parar em um destes megapostos para excursões e caminhoneiros, alguém queria chocolates e estacionamos. Era uma espécie de "Japonês" não temático, com placas da Coca-cola em toda a volta do quadrado de alvenaria. Entramos, pedimos e pegamos coisas comestíveis e beberantes, aproveitando pra deixar o carro descansando novamente, ficamos do lado de fora do estabelecimento, mastigando e olhando o movimento. De repente, duas velhotas surgem de dentro do estabelecimento falando:

- Será que a gente não demorou muito? – uma delas pergunta.
- Não sei – as duas param e esta apontando para um ônibus em movimento completa calmamente: - Ih! Olha lá o nosso ônibus indo embora!
- Ih! Ficamos na mão. – mais calma ainda a outra velhota responde.
- Então vamos entrar e comer mais um pouco.

E de fato elas entram. Não resistimos e mais uma vez tivemos nossos acessos de risadas e, como não poderia deixar de ser, durante mais uma hora, era a piada da vez.

Depois desse incidente, nada de mais bizarro aconteceu, com excessão das paradas obrigatórias do fucão. Está foi só uma das aventuras deste carro, mas várias outras aconteceram: como a viagem a Floripa (já Powered by Bosch), idas ao Fim de Século com 7 pessoas no banco de trás, etc, etc, etc...

Destino de nossos heróis, vilões e figurantes:

Fucão – foi vendio e hoje em dia encontra-se nas mãos do mecânico do veredito.

Guri - há algum tempo vendeu o fucão, comprou um Escort (que também tem várias histórias bizarras) e agora mora em Florianópolis com sua mãe, sabe-se lá até quando. Meu irmão, já estou com saudades, isso que você foi pra lá ontem. Largou o RPG e jamais retornou a Pelotas.

Rafael – mora com sua esposa na casa dos pais dela e faz parte do call center do Terra, participou de diversas aventuras junto de Mateus e Sérgio, incluindo a Saga de Curitiba. Largou parcialmente o RPG e jamais retornou a Pelotas (pelo menos pra jogar RPG).

Mateus – é programador, pai de um filho e padrasto de outro, continua disputando com Sérgio o prêmio de maior contador de histórias desde os tempos da Saga de Curitiba. Largou (dizem) o RPG e jamais retornou a Pelotas.

Sérgio – é redator publicitário e se dedica ao hobby do jornalismo gonzo, mesmo sabendo que não é bom nisso. Pretende escrever sobre a Saga de Curitiba, da qual participaram ele, Mateus e Rafa. Largou parcialmente o RPG e pra matar a saudade do fucão comprou um Fiat Uno 93, também conhecido como Trovão Azul. Jamais retornou a Pelotas.

Aline (ex-Guria) – separou-se do Guri e perdeu o apelido pra sempre. É comissária de bordo e hoje em dia mora em SP, vindo de vez em quando para Porto Alegre pra visitar a família e motéis aleatórios. Jamais retornou a Pelotas.

Velhotas do posto – continuaram comendo no similar ao "Japonês" por um bom tempo até que um dos vendedores reconheceu o retrato de uma delas em uma caixa de leite.

Mecânico do veredito – comprou o fucão de um picareta e está feliz com sua bobina Bosch.

Meninas de Pelotas – ficaram esperando, sem sucesso, o telefone tocar no dia seguinte.

RPG – foi acusado de matar velhinhas e garot@s virgens em rituais satânicos, quando na verdade as pessoas que fizeram isso é que são afetadas.

A Saga de Curitiba

Esse post se perdeu quando eu escondi o Hell'z Club (por vergonha do que estava escrito lá). Agora que estou mais velho, tenho menos vergonha das bobagens que fiz e dos maus escritos que digitei. Esse texto é de 2000 (ou antes, eu acho), era um gurizinho. Enjoy!

A Saga de Curitiba

Prefácio.

O bardo das letras que humildemente vos narra esta história participou dos eventos pré-Era de Aquarius de Curitiba. Tudo que se sucedeu depois da Saga de Curitiba mudou as vidas dos nossos heróis, vilões e até mesmo desconhecidos. A mais histórica aventura já contada de uma manada de patos sulistas nas bandas do Sul-Sudeste (porque Curitiba não é NEM A PAU parte do Sul) desde a super expedição a Pelotas no Fucão da Wyrm.

Capítulo 1: A Decisão.

Como já mencionado em narrativas passadas, Mateus "Teto", Maurício "Guri" (ou seria Guri "Maurício"?), Rafael "Cacetinho" e eu (Sérgio "Schüler") eram grandes amigos e jogares assíduos de RPG lá pelos idos de 1999/2000.

Então, certa vez, o Edufa, um dos diretores da House de Curitiba propôs um live (um jogo) NACIONAL em sua cidade. Um super evento nos mesmos moldes que já haviam ocorrido em São Paulo, Rio e também em Curitiba em algum passado distante. Megaeventos desses, com cerca de uma centena de alucinados por RPG, devem ser muito bem planejados e estruturados. Afinal, se uma centena de pessoas juntas já causam a maior quantidade de problemas improvavelmente absurdos, imagine os malucos RPGistas que são improváveis, absurdos e problemáticos em sua natureza. Com certeza isso exigiria muito esforço e planejamento ou então muita irresponsabilidade, resultando em perigo letal para qualquer morador, caminhoneiros e outros seres vivos dos arredores. Para o jogo, Edufa marcou a data em um feriadão, desses que caem na quinta e ninguém trabalha sexta. Obviamente eu ainda não trabalhava com propaganda, então teria o feriadão e, pasmem, sábado livre. Decidi ir, não sem arrastar alguém comigo para essa desgraça toda.

Teto e Rafa concordaram em ir, Guri queria, porém foi barrado por sua futura-ex-mulher, a ex-Guria. A comitiva estava incompleta, porém os três irmãos nada temeram. Embarcaram no ônibus mais barato e, conseqüentemente, mais baleado, fubango e desconhecido rumo a Curitiba. Doze horas de viagem os aguardavam, pelo menos em teoria.

Capítulo 2: A Viagem.

Na primeira hora dentro ônibus, falávamos muito, estávamos muito empolgados, apesar do sádico motorista ter decidido usar o enjoativo, rodopiante e penhascoso caminho da serra.

Começamos a nos distrair com as coisas que trouxemos: diversos embolachados e águas gasosas embebidos em todo tipo de químico conservante, odorizante e saborizante. E, claro, música de walkman, para aqueles que tinham a sorte de ter trazido pilhas para alimentar o comedor de energia. O que não era o meu caso. Percebi que minhas pilhas haviam acabado antes da primeira hora de viagem.

Depois de algumas horas, o Rafa disse que ia dormir, cabe aqui dizer que quando ele fala que vai dormir ela já dormiu. Pois tem um botão, não me pergunte onde, que se desliga da realidade mundana em menos de 1 minuto, na verdade é uma coisa meio contagem regressiva "5... 4... 3...". Certa vez estávamos conversando, eu e o Mateus, com ele quando de repente ele não respondeu nada, a não ser que um RONCO fosse a resposta. Havia dormido no meio de um intervalo de 2 minutos de uma conversa e outra. Bizarro.

Bom, ele dormiu, e eu, já sem pilhas, tinha consumido todas as bolachas que conseguia comer. Só me restava tentar dormir, já que o Mateus já estava aderindo ao movimento também.

Quase na metade do percurso, paramos. - Hora do rango - Pensei. Pensei errado, pois estávamos perdidos no meio do nada, em uma destas cidadezinhas sem nome, na porta de um MECÂNICO, o que me fez pensar alto:

- Ônibus têm bobina? Não sabia...

Todo mundo desceu do busão. Havia algo errado com os amortecedores ou coisa assim, felizmente a bobina estava intacta – ou era Bosh? - e o mecânico não parecia expedir nenhum tipo de VEREDITO. Eu, o Rafa e o Mateus decidimos explorar um pouco as redondezas. Descobrimos a uma quadra de distância um orelhão e um boteco dos mais chinelos.

Adentramos o recinto e a primeira coisa que percebi foram aqueles pastéis frios parados no balcão desde épocas imemoráveis, provavelmente antes mesmo de o atendente estar empregado ali, ou quem sabe antes mesmo do cara ter nascido.

Arriscamos, cada um, um misto-quente (putz, isso é uma torrada, pô!) e um refrigerante desses de garrafinhas de vidro. A esta altura outras pessoas do bus aventuravam-se pelas imediações do pequeno boteco sem nome, frustrados por causa da parada não prevista.

Depois de comer e telefonar pra casa, exploramos um pouquinho mais as redondezas, até perceber que não tinha nenhuma caipira tarada metida a Lolita ou Engraçadinha perdida por aí dando sopa.

Fomos até o mecânico e observamos aquela cena crássica: tiozão, com a bunda pra cima, consertando o ônibus com metade do FIOFÓ sujo de graxa aparecendo. Quase 1h depois o ônibus estava pronto (não se sabe sob qual ponto de vista, mas nós também não ousamos questionar) pra seguir viagem. E assim foi: mais algumas horas da incrível visão mato/poste de luz/penhasco mortal, até eu cair (essa não é uma palavra apropriada quando se fala em penhasco mortal) no sono novamente.

Capítulo 3: chegando ao Dr. Destino.

Acordei diversas vezes, mas logo depois dormia. Foi numa dessas acordadas/dormidas que vi que havíamos chegado em Curitiba, "pelo menos era o que dizia a placa verde que passamos há 10 minutos atrás", dizia eu. Porém só havia mato e ruralisses a nossa volta. Que estranho. Comecei a ficar angustiado, 20 minutos depois ainda nada de vestígios de civilização. 30 nada. 45 e finalmente algo que poderia lembrar um prédio. Chegamos na rodoviária de Curitiba, cerca de 14h, completamente sujos, suados, cansados, nojentos, maloqueiros e tudo mais, ou seja, no clima mais perfeito de uma rodoviária de capital, onde se encontra todo o tipo bizarro de gente vinda diretamente das barbas do lugar algum ou indo com muitas escalas rumo ao inferno mais longínquo já imaginado por um cartógrafo de Star Trek.

Fomos até o segundo andar da rodoviária, era onde ficavam as lojas e afins. Queríamos um pouco de comida e também um telefone público. Ligamos pra algum dos diretores e organizadores da House de Curitiba, nos descrevemos, pois nunca havíamos sido vistos um pelo outro e fomos comer algo na rodoviária.

Ao entrar em uma das "lancherias" encontramos alguns poucos corajosos "degustando" as "especiarias" rodovientas: o velho Xis Salada mofado com MUITO, mas MUITO demais pra caralho mesmo, milho.

Cada um fez o seu pedido, evitando obviamente a combinação venenosa de toda rodoviária: o "especial" ou "à moda da casa". JAMAIS, peça esse tipo de coisa em uma rodoviária, a não ser que esteja pensando em se matar de uma forma dantesca e emocionante, esvaindo todo o seu sangue, e sabe-se lá mais qual substâncias que DEVERIAM ser mantidas dentro do corpo, dramaticamente pela cavidade anal e cuspindo por entre os dentes todas as tripas do intestino grosso por dias a fio, não sem antes se submeter a rituais constrangedores como o do copinho com fezes, que vai parecer mais mousse de abacate, e a tão sádica lavagem gastro-intestinal. E, sinceramente, enfiar mangueiras esguichantes pra dentro do corpo via qualquer buraco me parece um pouco gay demais.

Comemos e fomos esperar o Edufa na frente de uma LOJA DE MÁGICAS que tinha na rodoviária, não sem antes fazer uma incursão emocionante pelo banheiro gratuito. Fico imaginando que tipo de pessoa vai até uma rodoviária para comprar objetos de mágica barata. Seriam mágicos de ônibus?

Esperamos por quase uma hora, quando de repente uma menina de uns 25 anos nos perguntou se éramos de Canoas. Imediatamente pensei "meu Deus, o Edufa é transformista!". Mas não era bem assim, esta era outra diretora de Curitiba, a Déia, uma pessoinha muito simpática, descobriríamos depois.

Juntamos nossas MUITAS e PESADAS malas e começamos a saga da exploração da dita "cidade modelo". Andamos mais de 20 minutos, completamente guenzos, até uma loja de RPG onde os hereges e errepegístas em geral costumavam comprar seus livros "sagrados". Mofamos lá, morrendo de vontade de tomar banho, por mais umas 2h, mas era preciso fazer a social, mesmo que nosso futum de gambá que acabou de brigar com uma dúzia de porcos selvagens no lixão de Cubatão não fosse muito "social".

A esta altura já estávamos descontraídos, já que além das pessoas novas, dentre eles, e principalmente elAS, curitibanos, paulistas, cariocas, VARGINENSES, SOTEROPOLITANOS e toda sorte de cidades com nome de remédio tarja preta, tinha também os, já conhecidos anteriormente, barrigas verdes de Floripa e os gaúchos de Pelotas e Rio Grande. Estávamos longe de casa, mas com pessoas o suficiente para promover o caos sulista.

Capítulo 4: o DCE de Dante

Finalmente decidiram nos "levar" até o nosso alojamento, onde poderíamos guardar nossas coisas em "segurança", tomar um bom banho quente (já que era inverno ou outono – sei lá) e descansar um pouco antes da função noturna. "Levar" está entre aspas porque fomos ANDANDO até lá, "segurança", bem, isto você descobre mais adiante. Mais uns 15min de andança, abarrotados de malas, nós, os patos sulistas, incluindo aí o pessoal de Rio Grande, Pelotas e Florianópolis, chegamos ao tão esperado abrigo, um DCE de uma universidade. Pelo estado precário do prédio, desconfio, de uma universidade pública.

A visão era aterradora. Um prédio velho, grafitado toscamente por pichadores provavelmente em estado avançado de mal de Parkinson e Vaca-louca, com os vidros quebrados e um elevador minúsculo, para umas duas pessoas, que dava MUITO medo.

Decidimos de comum acordo que subiríamos os três ou quatro andares de escada até chegar ao abrigo, um ou dois corajosos usaram o elevador, de qualquer forma era o máximo que cabia no elevador e eu não estava nem um pouco a fim de ficar preso em um prédio estranho, de uma faculdade estranha e, pra completar, em uma cidade tão estranha que parecia piada chamá-la de "modelo" para qualquer coisa boa.

Subimos os lances de escada observando o "ambiente" do prédio: portas semiderrubadas e quebradas, pedaços de vidro, sujeira, papel higiênico USADO e outros dejetos não identificados no chão, portas de compensado seguradas por maciças correntes fechadas por cadeados, enfim, era praticamente uma masmorra medieval, bem pitoresco para um bando de rpgistas, mas não parecia muito apropriado, mesmo pra nós.

Quando chegamos no lugar que dormiríamos, duvidei seriamente das boas intenções dos diretores de Curitiba e comecei a olhar pros lados esperando uma cilada vinda de algum lugar para pregar uma peça na gente. Não podia ser verdade. O chão do lugar era de concreto puro misturado a pequenas e pouco generosas doses de parquê, MUITO sujo. A porta, se é que podia ser chamado disso, era uma grade de correr, fechada por um cadeado chinfrim, desconfio, feito de chocolate. Os "colchões" eram espumas velhas e detonadas, muito piores do que aqueles colchonetes de viagem. As janelas ao menos tinham vidros, nem todos, mas a maioria e, obviamente, não tinha nenhuma cortina pra nos proteger do sol da manhã, que quando se vira a noite acordado não é nada bom para o humor. Pelo menos o meu.

Demoramos quase 15 minutos para acreditar que aquilo realmente era onde dormiríamos, se os proprietários, os ratos, baratas, morcegos e, possivelmente, DINOSSAUROS, permitissem. Depois de telefonemas de indignação e até uma sugestão de passar a noite na prisão, já que deveria ser menos insalubre que aquele lugar, decidimos aceitar a nossa sina e começar a LIMPAR o lugar. Claro que não fizemos milagres, apenas limpamos. Para o lugar ficar habitável precisaria de no mínimo uma retroescavadeira. Mas o mais inteligente seria demolir o prédio e construí-lo de novo.

Enquanto a galera limpava, eu decidi tomar um banho. Ninguém ainda havia provado esta experiência antes. Antes de entrar no banheiro observei um cartazete escrito exatamente assim:

“Cuidado! Não deixe o chuveiro tremer, senão ele explode. É sério”.

Chamei todo mundo pra olhar aquilo, não podia ser verdade. Bom, eu breve eu descobriria. Tentei desistir do banho convencendo os outros que tinha descendência francesa em algum antepassado bastardo da família Schüler, mas não colou. Não tinha mais jeito. Eu ia ter que ser o primeiro a utilizar o chuveiro. Com ou sem explosões.

Abri a porta do banheiro e me apavorei. Imagine um banheiro público no centro de São Paulo que acaba de sediar uma briga entre torcedores punks de futebol. Agora imagine uma coisa pior que isso e você tem a descrição da saleta que eu estava pra entrar. Primeiro, não havia sequer um lugar que não estivesse completamente sujo de materiais totalmente estranhos pra ciência moderna para largar as roupas e toalha. Eu estava sujo, mas aquilo era ridículo. Saí e arranjei, sei lá onde, uma sacola plástica pra colocar minhas coisas. Então foi isso, Estava lá peladão, apesar do FRIO CONGELANTE, com tudo balançando, e com os pés em cima do chinelo, já que o chão estava muito mais sujo que a calçada do Mercado Público. Fiquei parado por quase 5 minutos rezando para que, em caso de explosão, o chuveiro não me matasse ou quem sabe decepasse a minha cabeça. Qualquer uma delas.

Olhei para o chuveiro e me preocupei seriamente com a minha integridade física. Era a fiação elétrica mais enjambrada desde a época do McGyver. E o pior, eu não tinha garantia nenhuma que o sujeito que fez ela tinha a capacidade do McGyver, pra falar a verdade, duvidava muito que sequer soubesse o que é um curto-circuito na teoria, pois, na prática, devia ser expert.

Abri o chuveiro. A água fria "jorrava" em "generosas" gotículas d’água. O suficiente para encher menos de meio copo d’água em alguns bons 5 minutos catando os pingos que caíam. Bem, ao menos o chuveiro não estava tremendo. Mas também não estava esquentando. Comecei a me molhar a medida que meu queixo tremia e minha pele entrava em algum tipo de colapso congelante.

Tentei fazer o chuveiro esquentar.Quando ele começou a esboçar alguma reação de que PODIA esquentar um pouquinho, começou a tremer FEROZMENTE, dando um barulho terrível de *tum tum tum*. Desliguei imediatamente. Impossível descrever o quando o chuveiro tremia, era praticamente uma máquina de lavar ligada dentro da caçamba de um caminhão andando a 100 km/h em uma estrada com mais crateras que a Lua. Sacudia tanto que molhava toda a extensão do banheiro. Tentei de novo e de cara ele começou o seu tremelique desvairado.

Então era isso, eu tinha um cabelo cheio de xampu, um corpo congelado e QUASE molhado, um vento dos infernos que insistia em invadir a janela quebrada do banheiro dos infernos e um chuveiro que não esquentava a não ser que entrasse em combustão e explodisse nas minhas fuças. Eu estava bem arranjado mesmo. Liguei de novo tirei o xampu como dava, ensaboei as partes baixas e fim. "Chega de banho", como diria aquele mongol do filme.

Saí do banheiro com uma cara não muito satisfeita e adverti sobre o tremelique do chuveiro. Mas não disse nada sobre a água ser fria. O Mateus seria o próximo a descobrir o poder da água gelada no inverno.

Ele entra no banheiro e alguns segundos depois todos ouvimos um grito. Perguntei-me se o chuveiro havia explodido, mas não, ele *apenas* entrou com tudo na água sem ver que ela estava totalmente fria. He he.

Depois que todos havíamos passado pelo ritual de congelamento sanguíneo no chuveiro infernal e "limpado" o lugar para tornar-se QUASE habitável para um favelado. Era hora de começar a reclamar durante uma ou duas horas e começar a se arrumar pro que nos esperava à noite: o jogo.

Capítulo 5: Noite I: descobrindo o significado de TRÊS QUADRAS CURITIBANAS

No primeiro dia, ou melhor, noite, o primeiro jogo, de uma série de 3 noites de jogatina, seria em separado. Cada família, ou o que chamávamos de Clãs, reunir-se-ia em locais diferenciados, de acordo com a "personalidade" de cada família. Seria muito estranho punks em um restaurante chic ou engravatados de terno em um Xis na rodoviária. Bem, eu, desta vez, fazia parte da turma dos almofadinhas engravatados e chics do último. Aliás, era o chefe deles, o mais engomadinho de todos. Pena que minha personalidade, digamos explosiva, não combinava muito bem com essa função.

Todos nos vestimos com as roupas mais estranhas. Eu de sobretudo e gravata, o Rafa de mano de Niterói, acompanhado fielmente pelo Mateus no mesmo estilo, o Maurício Tremere estava como um DUENDE DOENTE VERDE DE DOIS METROS DE ALTURA, o Marcos de Joinville e a sua namorada, acho, estavam vestidos como artistas homossexuais novos-ricos da renascença, o Marcos de Floripa estava vestido de POMBA-GIRA COM CAPA VERMELHA E PANTUFAS DE TIGRE, o sujeito de VARGINHA estava de engomadinho e ia pro mesmo lugar que eu, o André estava vestido como astro gótico do pop punk poser rock, a Bárbara, namorada de um dos 500 Marcos presentes, estava de projeto de punk metida a gordinha sexy e se tinha mais alguém vestido de forma maluca, sinceramente não lembro. Um dos diretores não mencionados, Jimmy, nos disse que iríamos até o centro da cidade, segundo ele TRÊS QUADRAS (guarde essa palavra) dali, para depois nos dividirmos. Agora imagina esse grupo ímpar andando por uma CAPITAL MALUCA, à noite, dirigindo-se até o centro guiados por um sujeito de camiseta e CHAPÉU de feltro.

Saímos, usando obviamente as escadas, e deixando nossas coisas na "segurança" da grande porta de grades e do seu cadeado que devia ser sagrado para ser considerado seguro. Após MEIA HORA de andança, chegamos no centro e descobrimos finalmente o significado tênue, e aparentemente quântico, da palavra "três quadras" em Curitiba.

Nos dividimos e andamos, cada grupo, mais ou menos TRÊS QUADRAS CURITIBANAS até chegar ao nosso destino, no caso de nós engomados, um pequeno pub PORTUGUÊS em uma ruazinha meio morta. O lugar era simpático, nenhum The Cave, mas não tão ruim quanto o Xis do Gato e o DCE que nos abrigava.

Estávamos confinados no mezanino, lugar que a diretoria de Curitiba escolheu pros engomados, abaixo do mezanino jazia um PALCO e na frente do PALCO uma série de mesinhas de madeira apertadas em pouco espaço.

Subimos e, em uma união de mesas, começamos a reunião do Clã. Uns 15 negos de terno e gravata espremendo-se em um espaço de uns 3x6 metros, onde no centro repousava uma GRANDE mesa. Uns 10 minutos depois de começar a falação, um barulho ENSURDECEDOR começa a vir do PALCO. Uma gorda doida, vestida de algo parecido como "a tia gorda e bêbada do casamento", sentada em um banquinho e espancando um pandeiro, cantava sambas de antigamente, desferindo golpes de voz contra os pobres e embriagados clientes do pub PORTUGUÊS.

Não conseguimos mais ouvir uns aos outros, esse foi o tom da noite inteira, até umas três da manhã quando decidimos de comum acordo (?) que a reunião estava encerrada e nós havíamos nos entendido (?!). O que era uma grande balela, os caras apenas balançavam a cabeça enquanto uns falavam e na hora da resposta, que não tinha nada a ver com a pergunta, os outros que tinham de balançar. Ninguém ouvia nada, mas estávamos todos felizes depois que começou rolar uma cervejinha amiga – esse é o pretexto de quase todos os jogos de rpg em cidades distantes: beber umas e outras, andar fantasiado e tocar o horror longe de casa. Quase invadimos o palco, mas decidimos que era muito pequeno para 15.

Capítulo 6: reggae night

Saímos do pub bacalhau e andamos mais uns 30min, umas três quadras CURITIBANAS, até um barzinho apontado por um dos diretores da house de Curitiba. Todo mundo ia pra lá depois de seus respectivos jogos, isso se tivesse humor suficiente e chinelagem o bastante no sangue.

Enquanto andávamos pela rua dos barzinhos, toda capital tem pelo menos uma, vemos sair, de uma casa noturna vistosa, um boy carregado por seguranças. Ah, um típico exemplo de Pity-boy. Brigão, bêbado, rico e de pau fino.

Chegamos até o barzinho que procurávamos e invadimos o lugar. Era um reduto maconho-reggae-surfista de dois andares. Simpático. Música em volume médio, posters do Bob pendurados nas paredes, mesinhas vazias, boinas amarelas, vermelhas e verdes na cabeça dos malucos, fumaça com cheiro de ervas "medicinais" e cerveja relativamente gelada, o que também não era tão importante estando no inverno.

Causamos um pequeno desconforto ao chegar no local, afinal, uns quinze ou vinte sujeitos engravatados chegando em um lugar desses poderia muito bem significar o FBI ou sei lá o quê. Mas tudo ficou calmo quando nos aproximamos da mesa dos outros jogadores que já haviam invadido o local, vestidos de formas ainda mais estranhas, como já descrito anteriormente.

Bebemos e continuamos a beber enquanto outros doidos se aproximavam, vestidos cada vez mais estranhamente. Tiramos fotos. E lá pelas tantas eu estava com sono. Cabe dizer que eu com sono sou a pessoa MAIS anti-social, chata, murrinha, reclamona e resmungona, não que seja muito diferente de quando não estou com sono.

Comecei a resmungar e reclamar. Aos que perguntavam o que eu tinha, eu quase mordia. Dormi cerca de uma hora na mesa até que, finalmente, eles se enchessem de beber e rumassem pra casa. E lá vamos nós, mais três quadras Curitibanas que levam mais de meia hora pra serem percorridas por passadas rápidas gaúchas.

Capítulo 7: O primeiro dia passou

Voltamos pro DCE, subimos as escadas, cambaleando de sono, ou cerveja, e começamos a nos "aconchegar" nos inconfortáveis pedaços de esponja pura que alguém, em um remoto passado, havia chamado de colchão certa vez e, hoje, chamaria de "cama pro cachorro vira-lata". Sentia a irregularidade do chão nas minhas costas. Cobri-me até a cabeça com um cobertor, que havia trazido de casa, já que a falta de cortinas, o sono, o sol raiando, o "colchão" e o excesso de homens fedorentos e roncadores não compunha um bom ambiente para um tranqüilo e, depois de tantos contratempos, necessário sono.

Tive sonhos estranhos e psicodélicos. Provavelmente proporcionados pela extensa fauna de fungos, certamente alucinógenos, presentes no pedaço de esponja onde despejei meu corpo cansado. Era algo com bandas de rock e jogadores de RPG assassinos, não entendi, mas, descobriria depois, era uma premonição.

Fui acordado a chutes. Resmunguei. Todos estavam de pé. Assim seria pelo resto dos dias em Curitiba: eu seria sempre o último a acordar, aliás, a ser acordado. Quando todos já estavam melhores do mau humor, o meu tinha recém começado.
Fui avisado que íamos pro café da manhã. Ao menos avisaram, agradeceria depois.

Capítulo 8: Saco vazio não pára em pé

Andamos mais meia hora pra chegar no lugar onde tomaríamos café da manhã. Na frente do local já havia alguns malucos esperando para atacar com vontade voraz cada um dos itens. Não me lembro ao certo o que tinha pra comer, mas nós mandamos MUITO ver.

Parecíamos todos mendigos mortos de fome, o que, na realidade, não estava muito longe disso, já que tínhamos caras mal dormidas, mal humor, banho frio, roupas amassadas e, claro, toda a estranheza que qualquer rpgista carrega consigo, mesmo nos momentos mais normais (?) do cotidiano.

Lembro-me que havia um bolo de cenoura que degluti, sozinho, umas 5 fatias. Nós acabamos com o lugar, mas o pior de tudo foi o banheiro depois. Todo mundo, impelido pela sujeira extrema dos banheiros do DCE, em que nem as baratas e ratos tinham estômago suficiente para transitar, decidiu usar o banheiro do BANDEJÃO CAFÉ DA MANHÃ e para o tão conhecido NÚMERO 2 from outter space. Detalhe: havia 1 privada para mais de 20 pessoas com fortes dores intestinais. Fomos obrigados a organizar uma fila, que, enquanto a porta estava fechada, se espremia em cólicas fedorentas na altura do estômago e, quando a porta era aberta por um sujeito feliz e aliviado, respirava um ar pior que o de Cubatão, totalmente envenenado pelos piores e mais alienígenas cheiros de podridão fecal.

Após longa e quase infinita espera, finalmente chegou a minha vez, infelizmente, depois do Maurício Tremere, como já dito em outras histórias, um gordão de 2 metros de altura e beirando seus 200kg, - óh não - pensei. Adentrei o recinto fechado e o bafo de urubu suado era intenso. As paredes pareciam transpirar com o ar pesado e difícil de respirar. - É agora ou nunca - pensei.

Sentei no vaso sanitário, quente, e desferi diversas rajadas com minha metralhadora analógica. Temi pela saúde da fossa. Por sorte, ao menos comigo, não transbordou. Lavei as mãos, já quase sem oxigênio, e abri rapidamente a porta. - Ahhhhhhhh , ar novamente! Liberdade! Liberdade!

Capítulo 9: Turismo com Dante

Não contentes com tudo que já haviam feito a gente andar, os diretores Curitibanos, em especial a Déia, decidiram nos levar, a pé, pra dar uma PEQUENA volta pela cidade.
Vimos coisas TÃO interessantes, como um mercadinho idiota, que mais parecia a versão Moinhos de Vento do Brique da Redenção, vendendo inutilidades e artigos decorativos, principalmente pra crianças e um "monumento" babaca, que lembrava MUITO um simples retângulo liso na altura do saco, o que era sugestivo, ao centro da cidade ou à mãos ou algo assim que não me lembro ao certo e, claro, a primeira faculdade, não universidade, do Brasil.

Sinceramente, não lembro de ter visto nada de interessante, mas quando falaram em visitar a tal Ópera de Arame, quase que em coro, a cambada sulista, acabada, disse "não, nós vamos é pro DCE da wyrm", convencidos de que a Ópera valia a pena, mas não para nós, tristes andarilhos, patos que não sabiam voar. Principalmente depois do pessoal de Curitiba ter dito que a Ópera era LONGE, ou seja, MAIS longe do que as tradicionais TRÊS QUADRAS - logo ali - de meia hora - CURITIBANAS.

E fomos pro DCE. Não sem antes passar em um supermercado, de nome improvável, e comprar muitos pacotes de bisnaguinhas 7 Boys, uma faca, de ponta, e diversos tipos de acepipes pastosos, a.k.a. PATÊ.

Capítulo 10: Sexo, RPG e rock´n roll

Nós, os patos sulistas, jogávamos um RPG amigo, esparramados no chão, por sobre as esponjas, que um dia foram colchões, do DCE do inferno. Quando eu estava com mais de meia bisnaguinha com PATÊ enfiada na goela, apareceram, do nada, uns 3 ou 4 cabeludos vestidos de preto. Inicialmente achei tratar-se de um assalto ou algo assim, mas os caras entraram no DCE, passando pela grade, sem dizer nada e rumo a outra sala do DCE: a sala onde ficavam alguns instrumentos.

- Grunchquêmsã gucêsh? - eu tento falar com a boca cheia.
- É, quem são vocês? - algum dos meus solícitos colegas traduz.
- Somos da banda Fuck & Kill the Doomed Hell's Demon or Die in Bloody Pain.
- Olhem, rpgistas. - Deprecia um dos integrantes da banda.
Engulo o pão e digo: - Olhem, uma banda. - Devolvendo a depreciação.
- Vocês não vão tocar, vão? - Algum dos rpgistas, quer dizer, um de nós, reclama.
- Não, não, só viemos buscar os instrumentos. Temos um show hoje de noite. - Falou o terceiro cabeludo vestido de preto.
- Tá, mas, e se não tivesse ninguém aqui? Como vocês pegariam os instrumentos? - Um de nós retrucou.
- Nós temos a chave. - Falou um dos "músicos", dirigindo-se finalmente a sala onde estavam guardados os instrumentos.

Ficamos todos mudos por alguns segundos. Começamos a entender que nossas malas, cheias de pertences, estavam expostas à toda sorte de maluco que poderia nos roubar se não estivéssemos ali naquele instante, ou até mesmo à noite, quando estaríamos em mais um jogo. Meu Deus, nossa paciência não estava mais suportando tanta coisa.

Continuamos a jogar por mais uns 5 minutos, quando de repente a porta onde estava a banda se abre e um dos sujeitos diz:

- Poxa, não mexam nos instrumentos, né?
- Ninguém mexeu em nada. - Mentimos.

O sujeito voltou pra dentro e fechou a porta.

Dois ponto cinco segundos depois, ele sai, com uma CAMISINHA USADA na mão e diz:

- Pô, a noite foi boa, podiam ao menos colocar no lixo.

A única menina que dormiu naquele quarto, namorada do Marcos, fica vermelha, enquanto o sujeito volta pra toca.

Depois de 5 minutos de risadas, voltamos a jogar, quando, mais uma interrupção aconteceu. Mas desta vez ninguém abriu a porta, o que acontece é que a banda começou a TOCAR com todos os instrumentos PLUGADOS. Um de nós que estava com a faca, comprada no supermercado de nome improvável para cortar as bisnaguinhas e passar o PATÊ, segurou-a bem firme e disse:

- Vou matá-los agora mesmo.
- Não, não, espera aí. Depois vão dizer que somos rpgistas satânicos. Vou ali embaixo ligar pra algum diretor de Curitiba. - Eu disse, acalmando os ânimos, apesar da minha fúria.
- Boa idéia, chame alguém com uma faca melhor, porque esta não deve nem cortar os cabelos sujos deles. - Retrucou o sulista à beira de um ataque de nervos.

Desci e me lembrei que não estava de posse de nenhum cartão telefônico, por isso, liguei a cobrar pro Edufa.

- Alô, Edufa?
- Eu mesmo, quem fala?
- É o Sérgio, de Patópolis.
- Heim?
- Schüler, coordenador dos Ventrue.
- Ah, fala.
- Ahn, como direi? – perco a elegância e grito: - ROQUEIROS CABELUDOS ROUBARAM TODAS NOSSAS COISAS E NOS AMARRARAM COM AS CORDAS DA GUITARRA!
- MEU DEUS!
- Vem pra cá, nós precisamos trocar de “moradia”.
- Ok, ok, já tô chegando aí, vou chamar mais alguém de carro, fica calmo.

Finalmente tinha feito a primeira coisa esperta desde que comprei a passagem de ônibus pra Curitiba. Iríamos pra outro lugar e ainda por cima de carro. Ponto. Subi e esperei, observando, minutos depois, a banda levando seus instrumentos pra mais um estrondoso show.

Capítulo 11: a nova esperança da aliança rebelde

Quando ouvimos o barulho de escadas, nos posicionados, de posse das facas de patê e pistolas de brinquedo, de modo que lembrasse um movimento de uma tosca emboscada ninja. Nota-se aí que não perdiamos o senso de humor, nem nas horas mais impróprias, adversas e absurdas. Quando o Edufa colocou o primeiro pé na porta, já tínhamos pulado, gritando, para mostrar bem como estavam os ânimos do bando sulista. Podíamos, tranqüilamente, neste estado, planejar um atentado terrorista. E seria, com certeza, contra Curitiba.

Explicamos, desta vez, a realidade e o, maldito encolhido, Edufa ofereceu sua CASA para hospedar nosso bando. Exatamente o lugar onde já se encontravam todos os SUDESTANOS do Rio e São Paulo. Maldito cão curitibano Edufa.

Nos deslocamos até lá, desta vez e pela única vez, de carro. Um pouco apertados, é verdade, mas felizmente poupamos boas 3 quadras Curitibanas de andança. Ao chegar, percebemos que a casa não era nenhum palácio, mas, comparada ao DCE, era o próprio paraíso. Nos “aconchegaríamos” na sala, porém, desta vez, com COLCHÕES, o que era um verdadeiro progresso. Sem banda, sem ratos, sem chuveiro que explode.

Capítulo 12: momento de fé

Como o número de pessoas que congestionavam a casa, em especial o banheiro, do Edufa, alguns outros solícitos curitibanos resolveram nos oferecer suas dependências para que todos conseguissem tomar banho – antes do final do feriado. Uns 10 do nosso bando sulista foi até a casa da Fernanda, jogadora de Curitiba, sob a promessa de que os que ficaram com o Edufa nos esperariam para o jantar.

Ao descobrirmos que a Fernanda nos ofereceu um – o primeiro – chuveiro quente desde que chegamos, incluindo aí o direito de sentar em um sofá enquanto esperávamos, começamos a chamá-la, e assim foi até anos depois, de Santa Fernanda da Água Quente.

Após todos limpos e até de barba feita, voltamos pra casa do Edufa. Descobrimos que eles tinham saído para jantar, sem a gente, em uma pizzaria ali perto. Desconfiamos do “perto”, mas era, de fato, próximo ou então nós já estávamos nos acostumando as peregrinações, não sei ao certo.

Capítulo 13: saturday night fever

Com as pizzas ainda pesando no estômago, fomos nos preparar para a próxima rodada de jogos malucos, com todas aquelas fantasias e essa coisa toda, porém desta vez o ambiente era mais condizente com a histeria supersônica dos esquisitóides jogadores: era uma danceteria bastante tosca, com alguns tijolos a mostra, iluminação precária e aparelhagem duvidosa. Obviamente fechada para somente nós malucos, sabe como é, as pessoas costumam estranhar bastante um sujeito metido num pijama, com capa vermelha e pantufas de tigre no lugar que não é destinado a festa à fantasia. Mas o bar estaria funcionando, o que contribuiria bastante para melhorar as interpretações de personagens ou, melhor, afrouxar a nossa crítica e, principalmente, autocrítica.

Lembre-me que tudo ocorreu na normalidade, conceito quase abstrato para rpgistas, com exceção de algumas alterações causadas pelo excesso de substâncias alucinógenas e música repetitiva, da qual fui um pouco responsável. Dentre uma das alterações, um mané subiu no palco e começou um striptease VERDADEIRO. Após algumas risadas, percebi quem estava lá em cima, de cuecas e sem encolher a barriga, desconsiderando o senso do ridículo: era o Rafa, integrante da comitiva canoense.

Sim, ninguém mais poderia ser tão saliente e, por que não, corajoso como o Rafa. Depois reclamam da fama, propagada principalmente pelo Casseta e Planeta, sobre as preferências sexuais pouco ortodoxas dos gaúchos.

Inquirido sobre o assunto, o Rafa respondeu que o strip foi MARKETING. No momento não entendemos se foi positivo ou negativo, mas desconsideramos e fomos obrigados a ir embora, não pela gerência da casa, mas pelo pouco de consciência que ainda incidia em nossas mentes.

Capítulo 14: o bem vence o mal

Na próxima noite, a mesma coisa, 30 minutos de caminhada, já fardados como habitantes do hospício em uma festa à fantasia, chegamos no próximo local de jogo, o último por sinal. Era um prédio residencial, desses que tem piscina e um grande pátio/salão de festas no térreo.

Com a algazarra promovido normalmente, apesar de todos os organizadores implorarem silêncio, o que não faz muito sentido em uma espécie de teatro, um dos moradores do prédio resolveu jogar um balde d’água em alguém. Aí começou o terror, pessoas correram, gritaram, quebraram vazos e, creio, alguém caiu na piscina. O Rafa que havia sumido, apareceu todo despenteado ao lado de uma menina, igualmente despenteada e sem maquiagem, que era namorada de um dos sujeitos. Neste momento eu entendi que a propaganda funcionou.

Saímos do prédio, ainda na metade da noite, vagando em busca de outro lugar pra continuar o jogo. Paramos em uma praça pública, prontamente fomos repelidos por integrantes da polícia militar. Procuramos outra e simplesmente recontinuamos. Até que, finalmente, uma notícia boa:

Havia um antiqüíssimo desafeto gaúcho, morador de Florianópolis, um sujeitinho escroque e temeroso por diversas vezes da selvageria e terror gaudéria, o Hederson, era o único “sulista” – desconfio que tenha nascido em outro lugar que não o Sul – que estava passando bem desde o início: estava de carro, ficando num hotel e era amigo dos organizadores de Curitiba. Pois que recebemos a aguardada notícia de que ele havia BATIDO O CARRO.

O que se seguiu foi uma comemoração, com gritos e pulos, da comitiva sulista, incluindo aí aqueles de Florianópolis que haviam vindo de carona com o imprudente rapaz.

Então tudo parou, simplesmente sentamos e ficamos contando piadas, rindo da própria desgraça e rindo muito mais da desgraça alheia. Decidimos peregrinar pras nossas “camas”. No caminho, lembro-me que alguém olhou pro lado e disse:

- Bah, mas essa Déia tem uns peitões maiores que melancias geneticamente modificadas, tu não acha?
- É, ela é minha irmã.
- Com todo o respeito é claro. – calou-se o sulista que não abriu a boca pelo resto do trajeto.

Capítulo 15: hora de dar tchau

Acordo sob o açoite dos chutes de alguém, desconfio que era o Teto, que me diz que é hora de ir embora. Começamos a socar nossas coisas na mala, demos tchau a todo mundo, brincando, porém falando a verdade, de que tudo foi um inferno e jamais voltaríamos. Colocamos as pesadas bagagens nas costas e caminhamos rumo a rodoviária. Por sinal, bastante longe da casa do Edufa.

No caminho, olhamos pra cima, os habitantes dos fios de alta tensão nos observam, as pombas. Em um número elevadamente perigoso para nossas cabeças, elas, a medida que andamos, trocam de poste, nos seguindo. E assim foi durante umas 4 ou 5 quadras, quando decidimos sair correndo.

Chegamos na rodoviária, embarcamos no ônibus da mesma companhia e sem muitos percalços acordo já em Canoas, na famigerada praça do avião. Fim.


março 20, 2013

Aposta Alta


No jogo ou no amor, às vezes é preciso perder para ganhar.

Passei as costas da mão na testa pra enxugar o suor. Como fazia calor naquela sala. Ou seria nervosismo? Os dois, concluí. Olhei para os outros três jogadores, tentando controlar a respiração. Controlar a respiração era útil para não dar na cara que eu estava nervoso e também porque o cheiro de enxofre era de doer. Peguei um punhado de fichas na mão e comecei a contar.

Chamávamos está modalidade de pôquer de inferno-mega-hold’em, uma variante bizarra de texas hold’em. Ao invés de duas cartas na mão e 5 na mesa, começávamos com 5 cartas na mão, 2 na manga (que só poderíamos usar se ninguém notasse quando trocássemos as cartas) e as tradicionais 5 cartas na mesa.

Todas as cartas já estavam na mesa. Ao fundo tocava uma dessas versões clássicas de “Can’t Take  My Eyes Off You”. Eu estava confiante, mas aqui não dava pra facilitar. Parece que nesse baralho tinha uns 15 ases, nenhum deles comigo.

- Vai jogar ou não vai? - Disse Kim Jong-un antes de tomar mais um gole do seu suco de tomate bem vermelho. Quer dizer, acho que era tomate.

Pastor Marco Feliciano, que usava um terno com um crucifixo para o lado de fora da camisa, aproveitou a distração causada pelo norte-coreano que estava ao meu lado esquerdo e a sua frente e esticou a mão pra pegar algumas fichas de Lúcifer. O diabo bateu na mão do pastor Feliciano sem tirar os olhos dos meus olhos, mesmo eu estando de óculos escuros. Lúcifer parecia calmo. Fumava um charuto pela metade no canto da boca e soltava a fumaça pelo nariz.

Jogar pôquer no inferno tinha sido uma péssima decisão, eu sabia, mas agora era tarde.

“All-in”, eu disse empurrando todas as fichas para o meio da mesa.

Kim Jong-un saiu. Lúcifer sorriu e disse “pago e aumento 1 milhão”. Marco Feliciano já estava fora - o desgraçado jogava com as cartas mais perto do peito do que uma mãe amamentando um bebê faminto.

Olhei para o diabo: - Como assim aumenta? Já coloquei tudo que eu tenho.

- Isso é verdade, ô Lúcifer. Nem a minha igreja consegue tirar o que as pessoas não têm. – Disse o pastor.

- Pois vocês ainda tem muito o que aprender, caro pastor. - Lúcifer disse tirando o charuto da boca. - Meu caro amigo, que tal se eu lhe emprestar a quantia pra apostar?

Minha cabeça quase que fisicamente vibrou, era a isca perfeita, agora só uma pitada de ganância. - Não, eu nunca iria conseguir te pagar 1 milhão se eu perdesse. E ninguém gosta de dever favores pro diabo ou pra máfia.

Lúcifer coçou o queixo, pareceu cheirar algo estranho no ar, maldito suor, enxuguei a testa de novo. Ele disse: - Ok, sem problemas, se você perder, sua alma é minha.

Eu fingi pensar e disse: - Hmmmm, um preço meio alto a pagar pela minha alma. Você tem certeza, Lúcifer? Eu achei que você preferia ser como Deus...

Ele estreitou os olhos e eu continuei: - ...você não quer ser como Deus? Com a minha alma você só confirma ser o diabo, mas... por que você não quer ser como Deus?

- Do que você está falando, muleque? - Disse o tinhoso. O norte-coreano e o pastor se afastaram um pouquinho da mesa de forma discreta.

- Deus não quer almas, quer devoção, adoração, amor verdadeiro por Ele. O amigo Feliciano aqui pode confirmar.

Lúcifer olhou para o pastor que deu de ombros. Antes que ele pudesse pensar direito no assunto, eu continuei falando: - Vamos fazer assim, você me dá 2 milhões se eu ganhar, fora o que está na mesa, mas se eu perder, eu te dou meu coração, meu amor, hm? Você vai ter o mesmo que Deus.

- Aceito a possibilidade de ser amado como teu deus. Boa ideia! - Lúcifer cuspiu na própria mão e me faz apertá-la para selar o pacto.

Botei minhas cartas na mesa. Lúcifer riu e colocou suas cartas na mesa. O meu jogo era bom, mas o dele era melhor. Às vezes perder faz parte do jogo.

- Aqui está, meu coração, tome.

- Ei! Que merda é essa? Este coração está quebrado!

Eu sorri e fui embora. Imagino que o diabo literalmente estava soltando fumaça pelas ventas quando ele entendeu o que eu fiz.

Quando estava saindo do inferno, fechei a porta atrás de mim com um sonoro estrondo e quando me virei, dei de cara com alguém. Era uma menina que usava óculos de nerd, os livros que ela carregava caíram no chão com o nosso impacto. “Este foi meu acidente mais feliz”, eu disse pra ela enquanto a ajudava a recolher os livros. Ela sorriu, agradeceu a ajuda com os livros e em troca me ajudou me dando parte do coração dela.

No jogo ou no amor, às vezes é preciso perder para ganhar. Graças a deus o diabo não entende nada do amor.

fevereiro 27, 2013

The Walking Dead


Este é Rui.

Rui é um dos mortos-vivos.

Rui está perto dos 50 anos. Aqui no trabalho os outros mortos-vivos não gostam do Rui. Bom, aqui no trabalho ninguém gosta de ninguém, mas o Rui é um caso especial. A única coisa que as pessoas do escritório gostam menos do que o Rui, é o trabalho em si.

Ninguém gosta do Rui porque ele é dedicado. Porém, dedicado do jeito errado. Faz quase 30 anos que o Rui busca ser promovido. Ele é o tipo de cara ambicioso, que apunhala os outros pelas costas e reclama pro chefe quando ninguém o ajuda. O chefe não se importa com o Rui. Bom, ninguém se importa com o Rui.

Por incontáveis vezes funcionários mais novos foram promovidos na frente dele. O Rui não entendeu a mensagem. Ele continua trabalhando duro, umas doze horas por dia. Finais de semana inclusos. Sem contar às 2h de ida e 2h de volta da sua casa ao escritório. Tudo porque o chefe continua dizendo que ele deve se dedicar mais, que só assim será promovido. O Rui é o mais experiente de todo o departamento, porém a impressão que eu tenho é que ele seria o primeiro a esfregar o urinol com a língua se o chefe mandasse. O Rui tem um medo danado de ser demitido, de nunca mais arranjar um emprego por achar que não é útil pra nada. O chefe sabe disso, todo mundo sabe disso, e se aproveita. É fácil chutar um homem que está no chão.

O Rui mal vê a casa no longínquo subúrbio que ele tanto trabalha pra pagar, tão pouco a mulher e os filhos. A mulher do Rui é dona de casa e está no 3º amante. Os amantes são sempre mais novos e sugam o dinheiro que o Rui dá pra ela. Rui dá quase todo o dinheiro para a mulher, já que não tem tempo de gastar o que ganha.

Rui chora com frequência no banheiro. Ele olha para trás e lembra como o mundo era quando tinha seus dezoito, vinte anos. Um mundo cheio de oportunidades. Lá pelos 25, algumas das escolhas que ele fez começaram a mostrar resultados que ele não esperava ou queria. Aos 28 portas começaram a se fechar baseado nas coisas que ele fez ou deixou de fazer. Depois dos 30 ele sentia-se sem opções. Tivera a grande chance: nasceu em uma família de classe média, formou-se na faculdade, não se drogou. Mas ele jogou fora suas chances. Agora estava preso no subúrbio, com uma mulher a quem não amava, filhos com quem não se comunicava e um trabalho que havia lhe sugado quase toda sua alma. Rui priorizou as coisas erradas. Hoje ele não tem nenhum amigo. Rui estava perdido.

É difícil imaginar Rui no passado, quando ele achava que seria feliz. Como será que Rui era quando estava apaixonado? E quando se casou? Como ele era quando se formou na faculdade? É difícil imaginar Rui sendo feliz. Porém, para acentuar sua dor, Rui lembrava de uma vez em que fora feliz como nunca.

A única parte da sua alma que ainda restara, ninguém sabia, era um amor do passado. Ela e Rui amaram-se intensamente. Ela era artista, pintora. Rui escrevia. Juntos, os dois se divertiam e amaram como poucos. Passavam de bar em bar até chegar em casa, quando transavam enfurecidamente tirando o menor número possível de roupas. Ela então deitava a cabeça no peito dele. Rui a abraçava forte. Conversavam às vezes, às vezes ficavam se admirando em silêncio. Até o tesão bater novamente.

Ele gostava de olhar ela pintando. Ela gostava de ler o que ele escrevia. Ela era artista e isso o fascinava. Sua arte, ela fazia muitas vezes na rua. Pintava muros à luz dos postes, olhando por cima do ombro para ver se a polícia não vinha. Era excitante! E as pinturas dela eram tão diferentes do que os outros grafiteiros faziam. Ela tinha um estilo tão peculiar que qualquer pessoa que visse uma das suas obras, identificaria o pintor de todas as outras.

Rui tinha um jogo secreto, quando estava andando pela rua, ele gostava de prestar muito atenção aos muros e paredes da cidade. Cada vez que ele encontrava uma das pinturas da sua antiga amada, ele sorria. Então ele começa a chorar. Por que eles não ficaram juntos? Ele não lembrava mais, mas sabia que nunca perdoaria a si mesmo por deixá-la escapar por entre os dedos. Caminhando pela cidade, ele encontrou um novo desenho dela. Era o rosto de uma mulher (ela mesma, todas as mulheres que ela pintava eram autorretratos). O desenho estava solitário bem no centro da cidade, olhando para a avenida cheia de carros e o trem que passavam por ali. Rui sorriu e, como de costume, chorou. Era tarde demais. Havia perdido a artista, a mulher que lhe acendeu a alma. Era tarde demais. Precisava ir pra casa.

Foi então que ele viu um outdoor que dizia “Nunca é tarde para mudar...”

Rui ficou excitado. Ele comprou o carro anunciado no outdoor, que na verdade dizia “Nunca é tarde para mudar de carro. Parcelas fixas a partir de R$ 489,00 sem entrada.” Com o carro, ele aumentou o tempo que levava para chegar ao trabalho por conta do engarrafamento. Mesmo motorizado, ele continuava procurando pelas pinturas da sua amada. Até que um dia bateu o carro por estar olhando para os muros e não para a rua. Rui morreu ali mesmo, feliz que aquilo tinha finalmente acabado.

fevereiro 25, 2013

Sobre a vida

Em que meu filho pergunta sobre a vida e eu me viro para explicar.

Meu filho e eu estávamos tomando uma daquelas gororobas de cores berrantes, geladas e açucaradas que se encontram em postos de gasolina de beira de estrada e certos parques de diversão. Sofia, minha esposa, abastecia o carro. Era um daqueles postos onde self-service (porque autosserviço parece o trabalho feito em uma oficina mecânica) era a regra. A nossa volta, além do posto e da loja de conveniência, não havia nada além da autoestrada, terra vermelha e um que outro arbusto seco. O céu estava avermelhado por conta do sol chegando ao horizonte. Um caminhão solitário estava parado embaixo da única árvore do posto.

Entre um gole e outro da gororoba colorida, eis que meu filho me perguntou: - Pai, quem inventou a vida?

Sorri. Crianças... sempre com as perguntas certas. – Filho, eu não sei quem inventou a vida. Uns dizem que foi deus, outros que foi ala, outros dizem que não sabem, outros ainda dizem que foi uma reação química. Tem até quem diga que fomos trazidos por habitantes de outros planetas.
- Como pode ser tantas respostas diferentes?
- Filho, não é porque alguém diz que sabe algo que aquilo é verdade.
- Então eles mentem que sabem?
- Não, não, pelo contrário. Eles acreditam que sabem. Mas ninguém tem realmente certeza. E você devia desconfiar de quem tem muita certeza.

Ele pareceu refletir sobre o assunto, mas não se deu por vencido: - Se ninguém sabe mesmo, então pra que serve a vida?

Agora foi a minha vez de pensar. – Sabe filho, a vida é como esta estrada aqui. A gente pode parar para abastecer ou tomar uma gororoba destas...
- Slurpies. - interrompeu ele.
- O quê?
- Slurpies é o nome do que estamos tomando.
- ...certo, podemos parar para abastecer, beber... slurpies... checar os pneus, trocar o óleo, porém não se pode ficar parado o tempo todo.
- Por que não?
- Ora, você quer viver aqui neste posto de gasolina?

Ele balançou a cabeça em negação.

- Pois então. Na vida, a gente tem que continuar pra frente. Também é preciso saber para onde você vai. Porém, mesmo sabendo qual é o seu destino e o caminho pra chegar lá, é importante que se aproveite a viagem.
- Eu estou cansado de viajar.
- Por isso paramos para tomar esta goror... slurpie.

Ele assentiu entre um gole e outro.

- É importante aproveitar a viagem, olhar bem à volta o que pode haver de interessante, porque às vezes quando chegamos ao destino, ele já nem é tão interessante quanto você pensou que fosse. No fim, o destino é só uma desculpa para a viagem. A vida é uma estrada. E a estrada é a vida.

Ele pareceu confuso.

- O que eu quero dizer é que você deve aproveitar o momento, mas sempre andar para frente. É necessário parar para abastecer, mas você não pode ficar parado o tempo todo. Nem por muito tempo.
- Mas você não respondeu pra que serve a vida.

Garoto esperto.

- Pois a vida serve pra isso. - abri os braços sinalizando a nossa volta - para viver. Aproveite a viagem, pois a viagem é o objetivo da vida.
- Hmmmm. E quem não viaja não vive? Zumbis viajam em hordas de zumbis e são mortos-vivos.
Eu tive que rir. - Viagem é modo de dizer. Você não precisa viajar para viver, mas você tem que viver a sua vida como se fosse uma viagem. Você deve avançar e evoluir, não deve ficar muito tempo parado no mesmo lugar e, acima de tudo, deve saber que tudo passa, como a paisagem pelo vidro do carro.

Ele pensou um pouco e eu continuei:

- Lembra como você chorou quando a nossa gatinha não voltou mais pra casa?

Ele concordou com a cabeça.

- Pois bem, você está chorando agora?
- Não. Mas eu gostaria que ela não tivesse sumido.
- Eu também, filho, eu também. Eu gostava da Diná também... bom, menos quando ela me acordava miando às 5 da manhã. Mas o que eu quero dizer é que a tristeza é temporária. A felicidade também. As pessoas passam na sua vida, como outros viajantes que param nesse posto. Algumas vão com você até certos lugares, como aquele mochileiro que deixamos pra trás. Mas no fim, tudo é passageiro. Você deve aproveitar o máximo da vida, porque o que é agora muda a todo momento.
- Mas e as pessoas que a gente gosta? Eu não quero que você e a mãe se vão.

Abracei meu filho puxando ele pra perto de mim, enquanto meus olhos cruzaram com os olhos da Sofia, que olhava para nós com as mãos na cintura e um sorriso no rosto. - Filho, nós tentamos manter as pessoas que a gente ama por perto, nem que precisemos desviar um pouco do caminho para que continuemos companheiros de viagem.

Levantei pegando meu filho pela mão. Estava na hora de continuar a viagem.

fevereiro 07, 2013

Na Estrada (de Novo)

- Eu não sabia que ela significava tanto pra mim.
- Tudo bem, eu entendo. Eu sei como é. – Ela me respondeu cabisbaixa, deitada no meu colo, fungando lágrimas recém-choradas. Ela aproximou o rosto do meu, nossas lágrimas se misturaram. Elas tinham o gosto amargo de uma vida não-vivida.

Nós nos conhecemos há pouco mais de um mês. Ou seria há pouco menos? Não sei, só sei que desde o primeiro momento parecia que tínhamos esperado a vida toda um pelo outro. Não estou falando sobre paixonite adolescente de fim de semana. Ambos já tínhamos passado dos 30 e a paixão já não visitava com frequência. Tínhamos algo verdadeiramente especial. Algo que é, digo com certeza, raro. Muito raro.

Estávamos sempre grudados um no outro (muita vezes literalmente). Quando não estávamos juntos, estávamos pensando em estar juntos e falando pelo Facebook. Foi um troço meio louco, no primeiro dia eu já estava preocupado se eu ia me entrosar com os amigos loucos dela. Porque ela era artista, pintora, e andava com toda sorte de pessoas esquisitíssimas. Ela era social, eu era... menos. No décimo quinto dia porém, eu já não me importava mais, eu tinha certeza que iria fazer qualquer coisa pra ficar com ela. Até ser o melhor amigo dos amigos loucos dela.

Porém, uma história de amor não precisa ser escrita por Shakespeare para acabar mal.

Acontece que ela, assim como outras mulheres que marcaram minha vida, não resistiram a minha paixão mais antiga. Aquela que acabou com todos meus relacionamentos, inclusive com meu casamento, voltara para me atormentar. Eu tinha que voltar para os braços da outra. Mesmo que eu soubesse que nunca encontraria ninguém como a mulher que eu tinha nos meus braços neste momento. Mas a outra paixão, desde os tempos de adolescente, não me deixaria ser feliz com esta mulher.

- Tudo bem, eu sei como é, eu entendo que você tem que ir. - Ela repetiu, com uma voz de quem sabe que perdeu. Com o coração apertado, limpei um pouquinho do ranho do nariz choroso dela, beijei as sobrancelhas grossas dela e coloquei sua cabeça no travesseiro para que eu pudesse levantar. Ela soluçou alto. Meus olhos arderam e meu rosto voltou a ficar molhado. Triste, porém necessário. Eu estava deixando mais uma mulher maravilhosa, talvez a mais maravilhosa, pela paixão mais antiga, conturbada e egoísta. Eu estava partindo mais um coração, incluindo o meu, por minha velha puta companheira:

a estrada.

dezembro 26, 2010

Metrópoles Pub & Restaurante

Andavam rápido, por conta do frio que os fazia enfiar as mãos dentro do bolso e as meninas se aconchegarem perto do peito dos rapazes.

- Grant Morrison é completamente pirado. Que porra é essa de Barbelith? Sem contar aquele universo fragmentado da DC, como é mesmo?
- Final Crisis?
- É, isso aí. Muitas drogas. O cara toma ácido e senta na frente dum computador e a galera publica isso.

Uma terceira voz, pertencente a Luíza, se meteu: - Que tal mudar de assunto e ser um pouco menos nerd?

Os dois rapazes, contrariados, se entreolharam. De toda forma já estavam chegando ao bar a que se dirigiam. Não era nenhuma ocasião especial, apenas uma velha e boa quinta-feira à noite com os amigos, uma boa cerveja e, se a Srta. Sorte lhes sorrisse, uma noite quente na companhia de uma emoção fria.

Um dos rapazes abriu a porta para que os outros integrantes do grupo entrassem. O bar chamava-se Metrópoles e, dizia a lenda, era também um restaurante, mas o grupo de amigos nunca havia visto ninguém comer nada por lá, exceto por aperitivos e salgadinhos. Não era um bar particularmente charmoso, o Metrópoles. As paredes tinham uma cor estranha e a decoração estava mais para loja turca na Azenha, mas a cerveja era boa e barata, a barwoman (o feminino de “barman”, certo?) era educada, o lugar nunca estava muito cheio e, o melhor de tudo, era perto de onde moravam todos nesse grupo de amigos.

Havia alguns tradicionais alcoólatras que estavam sempre por lá, mas nunca causavam incomodo, no máximo proporcionavam alguma diversão quando caiam ou algo assim. Mas em geral eram calmos, focando no resultado: beber. Não que só esse tipo caidaço freqüentasse o lugar, a prova viva era esse grupo de amigos.

Depois de algumas cervejas, as línguas começam a se soltar:

- Lembra daquela vez que o Marcos foi desafiar a menina que estava jogando sinuca e tomou o maior couro de todos os tempos?
- Mas ela jogou sujo! – retrucou o loiroso e baixinho Marcos.
- Deixa de ser maricon, tu perdeu limpo.
- Não, ela jogou sujo, tava sóbria a desgraçada!

Os amigos riram na mesa, papo vai, papo vem, mais e mais cerveja desce pelo gargalo e os primeiros do grupo já estão indo a sua terceira ida ao banheiro. O pessoal começa a perder a noção e, num grupo de 20 e tantos anos cheio de solteiros, é hora de procurar por sexo macio. As apostas de “duvido que tu chegue naquela gostosa, te pago uma cerveja” são inevitáveis, mas hoje, alguém decidiu ir longe demais:

- Luíza, duvido que tu tenha peito suficiente pra sentar na mesa de um dos tiozões que estão sempre aqui bebendo.

Luíza, com o tanque cheio, mas a carteira vazia, olhou de revesgueio em volta e disse: - Olha, depende, se eu puder escolher o tiozão alcoólatra, até aceito teu desafio.

Surpresos, o pessoal sentado na mesa soltou um “oooohhhbaaaaahiiiiiiihhhh” ou coisa assim.

- Quem tu escolheria? – Disse a amiga curiosa.
- Aquele lá, que tá sempre na última mesa, no canto. – Disse Luíza apontando com a boca. Depois que os amigos olharam, achando-se discretos, ela continuou: - parece que tem um corpo bem decente, um queixo quadrado, grisalho... me parece até meio que estilo George Clooney. E aí, sem esperar resposta, pegou sua cerveja e se dirigiu à última mesa, onde aquele homem que aparentava estar por volta dos 50 sempre ficava, toda noite, bebendo sem parar.

- Posso me sentar?

O homem que olhava para dentro do copo meio vazio disse, sem erguer os olhos: - se você quiser.

- Oi, me chamo Luíza. Luíza Lane.

O homem pela primeira vez desviou os olhos do copo e olhou para Luíza. - Clark.

Luíza olhou incrédula. Aquele era Clark Kent, o Super-Homem. Que diabos ele fazia naquele bar? Porque havia sumido sem nenhuma explicação? Certamente ele já teria passado dos 100 anos, mas ainda estava muito bem, aparentando pelo menos metade disso.

- Meu Deus, mas o que houve? Por que você desapareceu?
- O equivalente a ser demitido. A humanidade não precisa mais de super-heróis. Nenhum super-herói, sozinho ou em conjunto, vai conseguir salvar a humanidade. – bebeu mais um gole da cerveja que começava a esquentar.
- Eu... eu... eu sempre li sobre você e eu sempre pensei que só o Batman diria isso, mas não você. Você acreditava e conseguia enxergar o bem em cada pessoa.
- Eu ainda consigo.
- Mas como você diz que a humanidade não precisa de super-heróis então? Depois de todos esses ataques terroristas, guerras, doenças, pobreza... nunca foi tão necessário ter um guardião da justiça como você!
- Não, você está enganada.
- Ah, é? E como é que tem tanta gente no mundo trabalhando para o bem? Doutores que vão pra lugares com guerra civil na África, ativistas do Wikileaks que revelam documentos secretos que mostram que o governo está nos fodendo, gente que trabalha de graça para educar crianças carentes, enfim, o mundo está cheio de gente tentando fazer o bem!
- Exatamente. Esses são os super-heróis de hoje em dia. Só a humanidade pode salvar a humanidade. - virou o copo com o restinho de cerveja que tinha, levantou-se, botou o casaco e foi embora, voando, Luíza imaginou.

setembro 08, 2010

Mais uma sobre o Amor

Se você não sabe que o Amor anda por aí vestido de terno e balançando sua bengala favorita, provavelmente você precisa começar a leitura por aqui.

Sentado no ônibus, coisa rara na hora do rush, o Amor admirava a vista da cidade passando, sem se focar em nada em particular. Sua mente vagava pela lembrança das mais belas poesias em sua homenagem, que também eram as mais trágicas situações. Seu fluxo mental, a popular viagem na maionese (vide dicionário Xou da Xuxa), foi brutalmente interrompido quando sentiu um golpe seco, forte o suficiente para machucar o ego, mas fraco o suficiente para ser socialmente ignorado, no seu joelho. Continuou olhando pela janela, fingindo ignorância, não sem antes ajustar seu chapéu coco. Sentiu o mesmo golpe mais uma, duas e três vezes.

- Ei. - Disse o velhote que estava de pé no corredor do ônibus e empunhava uma bengala, a qual usou pra cutucar o Amor uma quarta vez, só pra ter certeza que seu ponto estava sendo claro. O velho, de mau-humor, apontou para o vidro do ônibus. O Amor, curioso, olhou para onde o velho havia apontado e viu a que ele se referia: um adesivo azul desbotado, com uma das bordas rasgada, que mostrava um desenho simples de um boneco de pauzinhos com a corcunda curvada e uma bengala e outro boneco com uma barriga de grávida, acima dos dois desenhos estilizados estava escrito “assento preferencial”.

O Amor olhou para o adesivo, olhou de novo para o velhinho, olhou uma segunda vez para o adesivo e depois para o velhote e deu de ombros, ignorando-o e desviando o olhar como que colocando um fone de ouvido imaginário.

- Ei! – o velhinho disse de novo, apontando sua bengala para o adesivo, desta vez com mais veemência.

O Amor apontou para a sua própria bengala, como que justificando sua preferência, e disse:

- Eu pareço novo toda vez que alguém se depara comigo, mas eu sou sempre o velho e bom Amor, que está aqui desde quase o início do Todo.

O velho incorporando o tradicional espírito de ficar puto, começou a proferir os melhores impropérios de dezenas de anos atrás, segundo os que testemunharam o evento, dentre eles, energúmeno, gatuno, troglodita, Pedro de Lara e advogado. O Amor, desconfiado, olhou por sobre o ombro do velho, que continuava chamando no mais alto do baixo calão, e viu uma de suas primas: a Raiva. Ela olhava ara ele e quando o Amor a percebeu, ela sorriu de volta o melhor que pode com seu batom mal colocado que era quase da mesma cor dos seus cabelos revoltos vermelho fogo. A Ira abanou para o Amor e, com maquiagem borrada em volta dos olhos, piscou.

- Ah, disputa de família. Sempre isso. – suspirou o Amor, desapontado. Ele balançou sua bengala suavemente e assoviou uma melodia doce. Em resposta, o velhinho começou a baixar a bola e o volume, meio que se perdendo nas palavras, enquanto acompanhava com os olhos uma dona bonita (vide dicionário Chaves do Oito) que apenas adentrara a condução. A dona bonita, espremendo-se um pouco para passar entre o velhinho e os bancos do ônibus, quase tocou-lhe a face contra seu decote. O velhinho ficou vermelho, sorriu, olhou para a dona bonita que lhe sorriu de volta e seu coração não agüentou (da pior forma que se pode imaginar) falhando-lhe no peito e fazendo com que o velhinho caísse estatelado no corredor do ônibus.

O Amor puxou a cordinha do ônibus e, antes de descer, sorriu para sua prima e disse:

- É por isso que dizem que o Amor sempre vence.

maio 30, 2010

1984, George Orwell

Nineteen Eighty-Four Acredite ou não, nunca tinha lido 1984 até algumas semanas atrás quando comprei o livro no aeroporto de Estocolmo. Eu gostei pra caramba, mais do que A Revolução dos Bichos, ainda que seja bem claro o link anti-comunas-fedidos dos dois livros.

Acho que todo mundo sabe, mesmo quem não tenha lido 1984, que se passa em um possível futuro totalitário onde o Partido domina tudo. Inclusive é de onde o nome “Big Brother” se origina – acho que a essa altura do campeonato todo mundo também sabe disso, então, dá-lhe inutilidade! Eu realmente gostei da ambientação, especialmente o conceito dos ministérios, como o “Ministério da Paz” que na real era responsável pela guerra e os “telescreens” que são nada mais do que televisões (com capacidade de filmar e ouvir também) que nunca podem ser desligadas. Dá pra ver onde Alan Moore buscou inspiração pra escrever seu V de Vingança.

Ainda que eu tenha gostado mais de 1984 do que do Admirável Mundo Novo do Huxley, acho que quem “venceu” a batalha em prever o futuro foi o Huxley. Enquanto Orwell previu o totalitarismo absoluto através da privação, controle, dor, sofrimento, medo, guerra e, principalmente, poder absoluto de um Partido central, Huxley em contrapartida imaginou a humanidade escravizada por prazer, hedonismo, drogas, excesso de informação irrelevante, enfim, algo bem anos 2000 se tu olhar para Big Brother (o programa de TV), revistas de fofocas, Twitter, Youtube, fast food, cigarrinho do diabo, álcool, etc.

Métodos diferentes, efeitos semelhantes (e nisso tanto Huxley quanto Orwell acertaram): uma minoria privilegiada comanda, uns 20% estão na camada um pouco mais baixa, mas ainda assim bem legal e a massa tá mesmo e se ferrando, completamente alienada e imóvel.
Boa leitura, meio deprê no fim, mas uma ótima reflexão.

dezembro 30, 2008

Dossiê Fraude sobre as profissões que você não quer escolher

O homem moderno (bem como sua contra-parte feminina) passa a maior parte do dia na labuta do ganha-pão e da noite descansando o esqueleto para o novo dia no batente. O budismo bunda-mole do “um dia após o outro” unido com a moral protestante de que “o trabalho enobrece” pode até ser verdade se você for um rockstar comedor de guriazinhas de 18 anos ou o príncipe herdeiro da Noruega. Mas, meu amigo, todos nós sabemos que 99% da força de trabalho não pertence ao showbizz ou a realeza e estão mesmo é se fudendo para ganhar aquele trocado esperto pra cachacinha. Para você adolescente pensando no vestibular ou tiozão desempregado é que existe o DOSSIÊ FRAUDE SOBRE AS PROFISSÕES QUE VOCÊ NÃO QUER ESCOLHER.

A
- Advogado – Hollywood glamorizou diversos deles, sendo que todo pai militar sonhou para seu rebento a toga de “dotô” para que vencesse os malfeitores a la Perry Mason. Porém, hoje a realidade é outra. Expelidos aos borbotões das faculdade de direito mais beverly hills college, o recém formado deve considerar-se sortudo se passar no exame da OAB apenas com 1 ano extra de estudos DEPOIS da faculdade. E, mesmo assim, vai ter de contentar-se com anos preenchendo formulários e indo e vindo do fórum até seu primeiro caso de importância: briga de vizinhos termina em ofensas verbais. E tudo isso usando terno e gravata nesse tropical Brasilzão. Veredito: nem fodendo.

B
- Bolsista de mestrado – receber dinheiro para estudar pode até parecer tentador, mas acorde, parceiro. Se tudo der certo, serão 2 anos da sua vida que você vai desejar não ter vivido - porque, de fato, você não viverá. Você viverá dentro da faculdade, de modo que seus amigos e familiares vão pensar que você entrou pra uma ordem religiosa secreta. Você só vai falar sobre a maldita tese, então ninguém vai querer conversar com você mesmo. Você ganhará uma mixaria, portanto não vai ter dinheiro pra fazer nada além de pagar seu muquifo estudantil. As únicas viagens que você fará serão para apresentar artigos em congressos obscuros (pagando do seu próprio bolso, é claro). E, pra finalizar, seu orientador muito provavelmente descontará todas as frustrações do fabuloso mundo acadêmico sobre seu pobre e ignorante lombo. Tem vocação pra sofrer por períodos prolongados e tem vergonha de se admitir sadomasoquista? Vai que é tua!

C
- Coiote - Se arrastar por dias pelo deserto mexicano pra tentar entrar nos Estados Unidos não pode ser atraente pra ninguém, ainda mais quando um dos riscos da profissão é acabar tomando bala de alguém.

D
- Dentista - Falemos sério, porque ao invés de agradar os pais e virar um médico de verdade, alguém escolheria passar o dia futricando a boca de pessoas que ou o odeiam ou o temem ou ou dois? Ser dentista está mais para uma forma grotesca de sadismo do que qualquer outra coisa. Sem contar que piadas de dentista são piores que dor de dente.

E
- Enólogo - Passar o dia bochechando e cuspindo vinho pode até não parecer tão mau, mas aquela loira gostosa ou aquele policial que te parou na blitz não vão saber diferenciar teu bafo de bebum com o de um bebum de verdade. Quando perceberes isso, aí é o primeiro passo para começar a entornar o caneco de verdade, porque ninguém pega esse tipo de emprego sem gostar de um goró.

F
- Flanelinha – Temido por alguns, odiado por todos, o flanelinha é a espécie mais asquerosa de achacador, porque ele sugere que tem o poder de fazer alguma coisa com teu carro, ainda que em geral não faça nada (nem cuidar, porque quando tu voltar ele já foi embora). Quem quer ser flanelinha?

G
- Goleiro - Ah, o glamour de ser um jogador de futebol, quem nunca sonhou? Pois se você embarcar nessa, saiba onde está se metendo: goleiros são a escória do futebol, apenas acima do juíz e dos bandeirinhas. Goleiro só é lembrado quando erra, porque quando faz o trabalho direito só faz sua obrigação. Além disso, o goleiro é o principal antagonista da estrela do time: o goleador. Se o seu sonho é ser chamado de filho da puta pela torcida adversária por ter defendido e filho da puta pela torcida do seu time por não ter defendido, vai que é tua, Tafarel!

H
- Hoteleiro - seu trabalho é estar em serviço enquanto aquele casal em lua de mel está aproveitando a viagem tropical e aqueles rockeiros ali estão promovendo uma suruba na piscina. Precisa dizer mais?

I
- Índio - A opção naturalista funciona que é uma beleza se você nasceu índio. Mas se você é o típico cagalhão da cidade, com certeza não sabe a diferença entre urtiga e babosa. Uma hora ou outra você vai acabar comendo uma plantinha que na melhor das hipóteses vai te dar uma caganeira fodida (e lembre-se que tu vai estar com a bunda de fora o tempo todo). Fora isso, toda índia tem uns peitos caídos muito fodidos. E, se não tem, certo que elas são protegidas por algum índio fortão que vai te dar um cacete se tu chegar muito perto. Ser índio é um troço que ninguém escolhe. Ou é, ou não eras.

J
- Jogador de pôquer - Você pode até sonhar com torneios estelares em Las Vegas, rodeado de bebidas doces, fichas coloridas e mulheres de decote generoso. Mas dando bem a real, o mais provável lugar que você vai conhece é o hospital, com sua comida sem sal, pílulas coloridas e enfermeiras de 200kg, depois de não conseguir pagar aquele agiota que lhe emprestou dinheiro em uma das suas “marés de sorte”.

K
- Karateca - Baita trabalho esse de dar pau nas pessoas, heim? Porém, lembre-se daquele velho ditado: sempre haverá alguém melhor que você. E se tem alguém melhor, logo você vai tomar um cacete sem precedentes.

L
- Lixeiro - Sei que são necessários e tudo mais, mas, porra, quem aí sonha mesmo em passar o dia (ou noite) correndo atrás de um caminhão que fede a Cubatão, com ênfase no “cu”?

M
- Militar - Foi-se o tempo em que milicos eram glamourizados e ganhavam bem. Hoje ser militar significa passar a vida rodeado de machos, recebendo ordens aos berros de um sujeito que vai torturar-lhe físico e mentalmente para te preparar pra uma guerra que, no caso do Brasil, se chegar, vai ser perdida. No fim, a única coisa que você vai fazer com seu treinamento é ajudar na resconstrução de locais alagados. E se você subir na hierarquia depois de pagar muito penico, sua filha gostosa vai lá e se casa com um hippie maloqueiro só pra te contrariar. Nenhum sentido.

N
- Nazista - Até entendo que em alguma mente doentia na Alemanha ou Escandinávia o nazismo tenha sido uma opção, visto o componente racial predominante local. Mas no Brasil? Vai te criar, guri!

O
- Otorrinolaringologista - Você quer mesmo sofrer a sina de toda vez que você responder a pergunta “e aí, o que tu faz?” pra alguma gata quente a resposta dela seja “ahn?” ou dar risada, afirmar que você é muito divertido e perguntar de novo o que tu faz?

P
- Publicitário - tomar champanhe todo dia e ganhar prêmios é no mínimo uma visão equivocada da profissão mais descolada de todos os tempos (a exceção do designer). Primeiro de tudo, tu vai começar por baixo trabalhando 12h por dia. Se crescer na hierarquia, vai trabalhar mais, muito mais, sem receber hora extra. Publicitário que se presa tá sempre trabalhando, até fora da agência, porque sempre pode vir uma “idéia genial” em qualquer lugar. Não é a toa que há pouquíssimos publicitários velhos. Todos eles debandam em busca de uma vida melhor no sanatório.

- Padre - O pior de todos os mundos: passar anos estudando em uma língua morta qualquer, ganhar pouco e ainda por cima vestir um uniforme muito medonho que, ao contrário dos outros uniformes, quase ninguém acha excitante (e, mesmo que achasse, você não poderia fazer nada porque é proibido de transar). Mas que merda de profissão é essa, por Deus?

- Palhaço - Quem você quer impressionar quando a sua profissão é na verdade um xingamento muito comum?

Q
- Quermeceiro – Acho que até nem é uma profissão propriamente dita, mas tem algo menos anos 2000 do que uma QUERMECE?

- Quiroprático - Quiroprático é só um jeito sutil de dizer “massagista”. E tu, bagaceiro que é, sabe que “massagista” é só um jeito sutil de dizer... bem, tu sabe.

R
- Relojoeiro - Foram-se os idos em que o mestre relojoeiro suíço era considerado um respeitável artesão. Com a invasão dos relógios digitais chineses a preço de banana, quem é que precisa mandar arrumar um relógio analógico hoje em dia? Só velhinhas cafonas - o que invalida inclusive a possibilidade de conhecer qualquer gostosa enquanto trabalha.

S
- Salsicheiro - Sabe aquela frase em que diz que não devemos saber como são feitas as leis e as salsichas? Bem, há um bom motivo pra isso.

T
- Torneiro mecânico - Não se iluda com o conto de fada do Presidente, esse aí é um em um zilhão. O resto dos torneiros mecânicos estão por aí, suando adoidado, comendo marmita, ganhando pouco e, pra não ficar tão longe do Presidente, tomando pinga e perdendo dedos.

U
- Urologista - Teu sonho é passer o dia tateando o rabo de homens com mais de 40 anos que, em geral, não estão a fim dessa experiência? Mesmo?

V
- Veterinário - O sonho de toda menininha que quer ter um pônei, cuidar de gatinhos perdidos e curar o au-au fofinho. A realidade é bem mais dura que isso: vai ter que meter a mão em xota de vaca pra fazer inseminação artificial, analisar bosta de elefante doente e correr o risco de tomar patada de mula. Não tem nada de fofinho no cruel mundo animal.

W
- Walter Mercado, discípulo de - Você vai ter que ouvir o cara dizendo “djá” e descontar em ti toda aquela bizarreira astrológica com um sotaque muito medonho e ainda vai ficar com todo o teu dinheiro. Se está escrito nas estrelas que essa é a sua função no mundo, trate de tornar-se analfabeto.

X
- Xamã - Sonho muito doido de alguns psiconautas que se aventuram no misterioso mundo das drogas naturais, como peyote, jurema, salvia divinorum e argyreia nervosa, ser xamã não é barbada. Tomar essas drogas uma vez que outra é uma coisa, mas imagina viver fugindo do mescalito todo dia? Sem contar que as plantas visionárias são só parte do trabalho do xamã, outra parte concentra-se em cura dos enfermos. E aí, tenta curar o câncer da filha do chefe só com babosa pra tu ver se ele não pega o teu escalpo. Se ser xamã fosse bom, cada tribo não teria apenas um.

Y
- Yogue - Ser um mestre de yoga pode até parecer interessante à primeira vista, já que geralmente só mulheres freqüentam as aulas. Agora me diga a verdade, você já foi a uma aula de yoga? Nem eu. E nem as gostosas que tu quer comer.

Z
- Zoólogo - Vale a fórmula do médico veterinário: animais fofinhos são a minoria no reino animal, o resto ou é feio pra caralho ou venenoso pra capacete ou fedido demais mesmo ou tudo isso ao mesmo tempo.


-x-x-x-


Esse texto precisa de uma cerca contextualização. A série "Dossiê Fraude" foi na verdade inaugurada pelo Cardoso, aquele mesmo do Cardoso Online (ele jamais escapará dessa alcunha), um sujeito que sempre foi uma grande influência ("cópia" alguém grita da platéia) pra mim, inclusive até hoje tenho uns maneirismos do inferno (sic) que não perdi, tudo por influência do que ele escrevia. O Cardoso escreveu Dossiê Fraude Para O Suicídio Nos Anos 2000, Dossiê Fraude Sobre As Mulheres Das Quais Devemos Manter Distância (pra mim o melhor!), Dossiê Fraude Sobre As Drogas Esquisitíssimas (genial!) e Dossiê Fraude Sobre Animais Que Parecem Comestíveis A Primeira Vista Mas Na Real Tem Gosto De Cu. Claro que esse dossiê não chega aos pés dos que escreveu o Cardoso, mas mesmo assim, decidi que seria legal tê-lo por aqui. Se tu quer ver os dossiês nesse blog, clique na tag dossiê fraude

dezembro 27, 2008

V.v.V. - Vovô viu a Verdade

- Ah, que isso, Spooky, não me venha com essa que ele é FBI. – disse com désdem o jovem Willy Lenhador. Wily não era nenhum Tomé, mas era surpreendentemente cético para um guri de 8 anos que vivia em uma cidade do interior. Tinha o apelido de “Lenhador”não porque tivesse alguma conexão com o machado, mas sim porque era um tremendo de um futebolista e, quando no campo, diziam, “só sabia descer lenha” (seja lá o que isso significa).

- Claro que ele não é! Agora ele tá aposentado, mas ele era do FBI sim. – retrucou do alto dos seus 8 anos e meio, Spooky, que era curioso, observador e criativo, como todo bom menino criado no interior. Spooky, bom entendendor de como Willy Lenhador funcionava, continuou: - Se duvida então vamos lá e nós dois perguntamos pra ele.

- Essa eu quero ver, vamos mesmo!

- O último a chegar é um clone de padre!

E sairam correndo escada abaixo atrás do seu alvo.


Vovô estava sentado em uma cadeira de balanço de madeira pintada branca, estava na varanda de casa e admirava, entre um e outro suave balançar, o céu azul com um sorriso tranqüilo no rosto. O rosto sereno que só a paz da idade pode trazer logo se desfez ao ouvir a barulheira que seu neto, Spooky, e seu amiguinho Willy fizeram ao vir correndo de encontro a sua cadeira, esbaforidas.

Vovô riu alto e abraçou o neto, dizendo: - Por que esses dois aventureiros estão correndo? Estão perseguindo algum bandido?

- Vovô, vovô, não é verdade que você foi do FBI quando era mais novo?

- Ah, é, com distintivo e tudo.

- Palavra? Não é lorota de velho? Meu pai disse que o senhor é cheio de idéias malucas. – disse Willy Lenhador, frase que só poderia vir da inocência e honestidade de uma criança.

Vovô apertou com força a extremidade da banguela que segurava na mão direita - Há! Pois diga pro seu pai que eu tenho um monte de histórias porque já vivi e vi muita coisa, oras!

- Bom, e como o senhor decidiu sair do FBI?

- Decidiu? Ahn... deixemos isso pra lá, essas coisas da burocracia eu sei que meninos de 8 anos nao querem saber.

- Oito anos e meio! – retrucou Spooky.

Vovô sorriu. – Ah, perdão, oito anos e meio. Veja só isso, agora querem ser mais velhos. Já eu, na minha idade, gostaria é de ser novo de novo. Mas, tangiverso, sei que vocês são cavalheiros muito ocupados, porém, garanto que gostariam de saber do segredo.

- Um segredo? – Os dois meninos arregalaram os olhos de interesse.

- Não, não, eu não disse “um segredo”, eu disse “o segredo”. Mas sei que vocês estão ocupados correndo pra lá e pra cá, então não querem saber, certo? É a mais pura verdade...

- Queremos sim! – disse Willy, seguido por outra afirmativa de Spooky.

Vovô riu satisfeito na cadeira e fez força para inclinar-se em direção aos dois meninos, como se quisesse falar-lhes em particular, sem que ninguém ouvisse. Ele disse baixinho: - Mas vocês não podem contar a ninguém, heim?

- Nem pra vovó?

- Muito menos pra vovó! – O velho sacudiu-se na sua cadeira e olhou por sobre os ombros para certificar-se de que ela não estava por perto.

- Tá bom!

- Olha lá, palavra de escoteiro. Então vou contar-lhes o segredo. – disse vovô, botando cada menino sobre uma de suas pernas. – Em 2012, quando vocês nem eram nascidos, aconteceram diversas coisas muito interessantes que acabariam por mudar todo o mundo. Apenas, claro, se elas fossem públicas. Mas o que houve é que o governo escondeu esses fatos de todos nós. Porém, alguns de nós conseguiram acessar a verdade. Eu estava em busca de um E.B.E...

- Hebe? – interrompeu Willy Lenhador. – aquela anciã que se mantém viva no corpo de um andróide?

- Não! Eu não disse Hebe, eu disse E.B.E, ê-bê-ê, sigla para “entidade biológica extra-terrestre”.

- O que é esse negocio aí?

- Um alienígena!

- Óóó. – os dois meninos dispararam em uníssono.

- Pois então, lá estava eu procurando por um E.B.E., depois de diversos relatos de aparições de ovnis na mesma área, quando topei com essa super conspiração governamental, algo tão secreto que nem o Presidente tinha conhecimento...

- Hora dos biscoitos! – gritou de dentro de casa vovó, saindo pela porta carregando uma bandeja cheia de biscoitos quentinhos recém saídos do forno. Ao ver como vovô tinha os dois meninos calados e com olhos brilhando no colo, ela disse: - Opa! Não vai me dizer que está contando histórias de extra-terrestres pras crianças!

- Não, eu? Eu não, só estou aqui batendo um papo com meus camaradinhas. – disse vovô.

- Nem de chupa-cabra? Diabo de Jersey? O Projeto Lych?

- Não, nem sei o que é isso. Sou só um velho.

- Olha lá, estou de olho em você! Depois as crianças têm pesadelo à noite e eu é que tenho que ir lá acalmá-las. Crianças, vão brincar lá fora, tem um monte de árvores pra vocês subirem aí na volta. Vão, vão.

As crianças sairam correndo pra brincar, com as mãos carregadas e as bocas preenchidas de biscoitos.

- Isso crianças, vão brincar lá fora. Porque a verdade está lá fora. – sussurou vovô Fox Mulder, que disse para sua companheira, com a bandeja de biscoitos semi-vazia em mãos: - Scully, você adorava meu objeto voador não-identificado.

- É, Mulder, mas esse negócio aí além de bem identificado, já não levanta mais vôo há anos. – Ela sorriu ao alfinetar seu amor e voltou para dentro de casa.